OS ÚLTIMOS MOMENTOS DE NIEZSTCHE
by
Leo Nardus Mouras
A mulher de
Nietzsche estava angustiada. Seu marido estava com pavor da morte.
Via pavor em seus olhos. Já mostrara que o que ele escrevera no
livro sobre Deus, sobre Jesus, a igreja,que não cria nele, e,
agora, já não estava tão certo.
“E se tudo que a
Bíblia fala é verdade?”clamava. “Eu sou um tremendo
desgraçado!”, gritava o pensador. Isso dizia ele, deitado,
moribundo, em seu leito. Nietzsche estava com medo nos olhos. Nunca
ninguém o vira assim, triste, com medo, sem a certeza que ele tanto
mostrava no que ele escrevera nos seus livros. Estava com medo. “O
que irei encontrar do outro lado?”, era o que perguntava de tempos
e tempos. Tinha lido no livro do apóstolo Pedro, no Novo Testamento,
sobre o Tartaroo, um abismo onde estão uma parte piores anjos que se
rebelaram contra Deus. Ezequiel vinte e oito fala dessa rebelião. E
havia também o Hades, para onde vão os que morrem. E, lá, o
sofrimento é indizível, terrivelmente horroroso!
A conversa com seus
amigos era sempre em torno da vida futura, depois da morte, já que
ele estava perto de morrer, sentia isso, não sabia o que ia
encontrar do outro lado. Já havia tido sonhos sobre isso, mas não
ligou muito. Em um dos sonhos, ele ia entrando em uma fenda da
largura de uma boca de vulcão, e ia descendo em um buraco do qual
não via o fim, tão negro quanto os fios da crina de um corcel
negro. Agora estava com medo de tudo. Durante sua estada nesse leito,
moribundo, pensara muito no que escrevera. Boa parte daquilo não
era verdade. Como poderiam dar crédito a alguém, mesmo filósofo,
que mostrara um conhecimento tão pobre em religião, e ainda agir
como se fosse certo. Ainda assim acreditavam nele! Podia ser um
filósofo, mas não estava certo em tudo o que escrevera. “Deus não
é a utopia que meus escritos versavam. Claro que era real!” Como
podia o universo ter surgido de uma evolução, como diz o
darwinismo? Ele também acreditara nisso. Não, jamais podia ser
assim. Ele estava arrependido de tudo o que escrevera. O que
escrevera só tinha sentido na não existência de Deus, e isso só
seria provado se houvesse uma prova dessa teoria. Esse livro de
Darwin influenciou muito o que ele escrevera. Soube do arrependimento
dele nos seus últimos dias de vida.
Chamou três amigos
dele, os mais chegados, e sua mulher, e escreveu um documento negando
tudo. Redigiu ele em trinta páginas, negando tudo o que escrevera
negando Deus, o cristianismo, tudo. Tinha uma ideia que foi muito
ridículo no que escrevera. Absurdo. Em seus escritos havia muito
ódio contra Deus, como não perceberam isso? Será que eram mais
cegos quanto ele? Pensou na sua responsabilidade, nas pessoas que
influenciava nos seus escritos, o prejuízo espiritual que havia
levado sobre eles, “e, eles, como ovelhas sem pastor, sendo
enganados por mim, por uma aparente erudição minha. Sou um
ignorante, isso sim”, pensava.
Em tudo isso
Nietzsche ia deixando estupefatos todos os seus amigos. Sua mulher
era uma das mais espantadas com o marido. Se não tivesse ouvido da
boca dele isso, não acreditaria. Mas era verdade mesmo. Ele estava
mesmo arrependido de tudo que vociferara contra as crenças baseadas
na Bíblia. Vivera uma ilusão, e agora, sua mente estava sã como
nunca estivera antes. Deus é tudo, como dizia Salomão em
Eclesiastes, nada sem ele vale a pena. Agora se lembrava do que
escrevera sobre o sofrimento. Aquilo ali ele tirou dos ensinamentos
de Jesus, da Bíblia
em geral. Não foi nada novo, é tão antigo qunto a Bíblia,
e, ao mesmo tempo, atual. Já redigira as trintas páginas do
documento, que entregara à sua mulher. Ela deveria entregar aos
jornais, e seria publicado. Queria que todos lessem, pois as pessoas
não poderiam continuar se alimentando de algo tão hostil ao bom
senso.
Depois de ter feito
e dito tudo isso, o filósofo calou-se. Não falou mais nada, não
escreveu mais nada. Apenas ficava olhando para o céu, meditando, com
a Bíblia na mão. Poucos dias depois morreu, disseram que estava com
a Bíblia na mão, alegre. Havia um brilho em seu rosto, como se
estivesse vendo algo belo ao longe, se aproximando dele. Diz-se que
os anjos veem buscar todos aqueles que creem em Deus, quando morrem.
Talvez tenha sido isso. Vira anjos vindo buscar sua alma.
Após sua morte, sua
mulher e seus amigos guardaram a sete chaves seu último escrito
negando sua filosofia. Não iriam publicar nada. Aquilo seria um
grande balde de água fria nos seus admiradores e seria a negação
de tudo, e um golpe forte no humanismo da filosofia até agora.
Melhor assim.
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